“Admirável mundo novo”
Em uma sociedade marcada pela pandemia do COVID-19, o mercado de trabalho como conhecíamos nunca mais será o mesmo
Dentre muitas preocupações que surgiram com o coronavírus, uma delas é bastante pertinente: como ficam as relações de trabalho quando o isolamento social chegar ao fim? Para responder essa pergunta, entrevistamos especialistas de diferentes áreas, que explicam tendências do mercado de trabalho e até mesmo os impactos sociais e a exigência de novas competências na hora da contratação.
Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia de COVID-19 e medidas de isolamento social precisaram ser adotadas para reduzir a onda de contaminação. Com isso, áreas industriais, comerciais e até mesmo o setor de serviços – exceto os essenciais – precisaram ser fechados, e muitas pessoas perderam o emprego ou foram afastadas durante um período. Por outro lado, de tendência de futuro, o trabalho em casa, trabalho remoto, ou home office passou a ser a realidade de muitos profissionais.
De acordo com a Catho, uma das maiores empresas de recrutamento on-line do mundo, o número de visitas na plataforma por pessoas interessadas em vagas home office cresceu 179% entre fevereiro e março de 2020. Já entre março e abril, o aumento foi de 190%, enquanto entre abril e maio esse número atingiu cerca de 190,5% de crescimento. Para o CEO da Catho, Fernando Morette, o trabalho remoto veio para ficar, mas não será uma realidade para todas as empresas e setores. “É uma mudança estrutural que favorece a produtividade. Será uma revolução na cultura de trabalho. Nem todas as companhias poderão atuar dessa maneira, como comércio, indústria, alguns setores de serviços e saúde. O que se está avaliando é como será este retorno ao trabalho”, afirma.
O professor do curso de Gestão de Recursos Humanos da Universidade Veiga de Almeida (UVA), Wagner Salles, possui opinião semelhante à de Fernando. Para ele, se por um lado houve esse crescimento exponencial durante a pandemia, o trabalho remoto deve se manter restrito a determinados grupos após a normalização das atividades. “Segundo dados do IBGE, as atividades referentes à informação, comunicação, imobiliárias e administrativas – grupo no qual o home office tem maior probabilidade de ser implementado – ocupam o quarto lugar no ranking de todas as atividades no país. Isso significa que há outros três grandes grupos no Brasil nos quais o regime é muito restrito, tais como indústria, comércio, administração pública, saúde, serviços automotivos, dentre outros”, afirma.
Além do local de trabalho, as relações de trabalho, segundo os especialistas, tendem a serem enfraquecidas e se tornarem mais tensas no pós-pandemia, sobretudo com o fortalecimento de plataformas de serviço por aplicativos. “Em um cenário de reconstrução econômica, as relações de trabalho possivelmente serão descentralizadas ao nível micro, isto é, quando a decisão fica a cargo de cada empresa, segundo aquilo que melhor lhe favorecer nesse cenário. Ao mesmo tempo, parte de algumas classes de trabalho vêm denunciando abusos por parte de empregadores, como é o caso de entregadores de aplicativos”, acrescenta Wagner.
Especialização se torna ainda mais importante
Com tantas mudanças nas relações de trabalho e a incerteza quanto ao futuro profissional, muitas pessoas passaram a procurar cursos. Durante o mês de maio, a Catho registrou um aumento de 78% nas buscas por cursos a distância na plataforma, sendo 44% deles voltados para cursos rápidos. Segundo a empresa, cursos de vendas (26%), análise de dados (26%) e Excel (23%) são as certificações que mais fazem falta nos currículos profissionais.
“Investir constantemente nas qualificações, no aperfeiçoamento das habilidades, em networking e identificar caminhos para se adaptar ao que vai surgir certamente são diferenciais importantes que vão destacar o candidato na busca de seu novo emprego e também no processo seletivo”, conclui Fernando. Ele ainda destaca a importância e valorização cada vez maiores das soft skills, que são habilidades comportamentais e subjetivas, tais como resiliência, flexibilidade, liderança e empatia.
Para reitora da UVA, a professora Beatriz Balena, a pandemia proporcionou à sociedade a possibilidade de reavaliação de relações e do papel da tecnologia. “A humanidade se deu conta de sua fragilidade num mundo que se preparava avidamente para a tecnologia, e nos fez repensar sobre os nossos propósitos e a vida em sociedade”, afirma.
Em relação às competências que passarão a ser mais valorizadas no mercado de trabalho, Beatriz tem opinião semelhante a do CEO da Catho, mas acrescenta que as habilidades na sociedade pós-pandemia estão relacionadas à empatia e humanidade. “Tivemos a constatação de que a criatividade e capacidade de resolução de problemas complexos serão cada vez mais necessárias, além da convivência com as diferenças. Nosso maior desafio é traduzir nossos currículos para que os estudantes saibam se comunicar de forma efetiva, se colocar no lugar do outro e considerar problemas globais. Nosso objetivo é que eles possam ouvir, debater e expressar ideias, cientes do impacto das suas ações”, finaliza.
Por João Henrique de Oliveira, estagiário da Pró-Reitoria de Pós-Graduação de Pesquisa, Extensão e Inovação
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